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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Sermão do Monte: Pobreza e Humildade



Felizes os pobres no espírito, porque deles é o Reino dos céus (Mt 5. 3 Bíblia de Jerusalém). Bem aventurados os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos céus (Mt 5. 3 Almeida Revista e Atualizada). Do que Jesus está falando neste texto, de pobreza material, ou espiritual, ou de nenhuma das duas? Por que algumas versões traduzem o mesmo texto com verbetes ("pobres" e "humildes"), que ao menos na cultura hodierna possuem significados tão diferentes? Qual é a essência da humildade bíblica? Ao que parece não há como escapar a estes questionamentos, eles precisam ser visto e revistos no discipulado, uma vez que conforme se deduz de uma leitura dos Estudos dos sermão do monte de Martin Lloydd-Jones é um dos aspectos do caráter do genuíno discípulo.

Um primeiro e importantíssimo passo é o entendimento de que ainda que na cultura atual, pobreza e humildade sejam dissociadas, na bíblica não era assim. Neste texto abordo a partir de um exegese do texto hebraico (Antigo Testamento), e do texto grego (Novo Testamento), o estreitamento entre o conceito de pobreza e de humildade, e como tal se deu. Mas creio ser de vital importância abordar os mesmos ainda que de passagem.

  1. O termo  עֲנָוִ֗ ('anawé usualmente empregado para descrever o aflito, aquele que depende exclusivamente de Deus e coloca sua esperança exclusivamente nele. 
  2.  עֲשֹׂ֤ות (tsnawé empregado para descrever a atitude do homem para com Deus (Mq 6. 8). 
  3. raramente se emprega דַּלִּ֣ (dal) para descrever a pobreza espiritual, via de regra este é empregado para descrever pessoas sem nenhum poder, ou recurso material. 
  4. וּשְׁפַל (shapal), e tem o sentido de abatimento (Pv 29. 23; Is 57. 15). 
O processo de exegese ainda coloca a indagação a respeito do que vem a ser de fato a humildade, o que obviamente me conduz primeiramente a uma definição negativa do termo. Ou seja, necessário se faz dizer o que não é a humildade. Assim,
  1. Humildade não é auto aviltamento, e muito menos a auto comiseração, ou depreciação pessoal. Brennan Manning fala de dois jovens monges que buscavam desenvolver a humildade e fizeram um pacto de se depreciarem mutuamente todos os dias. O resultado foi a apostasia de ambos, visto que conforme observa o autor, a humildade não é algo que se projeta de fora para dentro nos homens. 
  2. Humildade não é o mesmo que pobreza, o único ponto em que ambas se encontram é o senso de dependência que a escassez de recursos produz. Mas a convergência para por aí. É mais do que acertada a observação feita por Stott de que pelo fato de os necessitados não terem outro refúgio a não ser em Deus, a pobreza recebeu nuances espirituais e passou a ser identificada como a humilde dependência de Deus. Por isso o salmista intitulou-se "este aflito", que clamou a Deus em sua necessidade, "e o Senhor o ouviu", e "o livrou de  todas as suas tribulações
  3. Humildade não é ignorância, ou preguiça intelectual, na verdade, Martin Lloyd-Jones foi extremamente feliz ao afirmar que aqueles que são realmente grandes pensadores também são homens humildes, o perigo reside na pouca erudição. Este fato é igualmente destacado por Pascal, quando este afirma que as ciências têm duas extremidades que se tocam. A primeira é a pura ignorância natural em que se acham os homens ao nascer. A outra é a extremidade a que chegam as grandes almas, as quais depois de percorrerem todos os caminhos do que os homens podem saber, constatam que nada sabem e se descobrem na mesma ignorância de que partiram; no entanto, trata-se de uma ignorância sábia, que conhece a si mesma
  4. O seguimento da fala de Pascal possui seu eco nos ensinos do apóstolo Paulo, que disse: se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber (I Co 8. 2 ACF). Para o pensador francês, aqueles que ficam entre as duas extremidades, e que saindo da ignorância natural, não foram capazes de atingir a outra, possuem alguma noção desta ciência suficiente e fazem-se de entendidos estes perturbam o mundo e tudo julgam mal
  5. Todavia, a despeito desta distinção comum aos verdadeiros sábios, Jones prossegue dizendo que a humildade por ele considerada em seu estudo não aponta nesta direção, porque a humildade dos sábios é despertada pela vastidão dos conhecimentos, e não é necessariamente, a verdadeira humildade de espírito no sentido escriturístico
  6. Esta última consideração é necessária em razão do clima anti intelectual que predomina no Brasil [país do qual escrevo], em que a ênfase é colocada na práxis em detrimento do referencial teórico. No meio pentecostal, é como se a intelectualidade fosse antagônica ao agir e mover do Espírito de Deus, nada mais falso. 
  7. Consequentemente humildade não é uma virtude que o ser humano possa forjar e desenvolver por sua própria força, ou disciplina. Ela não está ligada a aparência exterior, pelo contrário! Quem muito investe na aparência, na verdade está procurando ocultar algo a respeito de si mesmo. 
Creio que esta confusão inicial a respeito da humildade tenha uma outra razão. É preferível ver a soberba como algo que está nos outros ao invés de algo que está em si, e da qual se exige cura pessoal. Além do mais a autoconfiança, a segurança própria e a auto dependência, tão comuns ao homem e ao espírito da época presente, são diametralmente opostas ao ensino do Evangelho a respeito da humildade. 

Na verdade tenho visto o púlpito do ambiente no qual me encontro cercado por uma fanfarronice que destoa de tudo o mais que se vê nos Evangelhos e nas epístolas paulinas. Homens que sequer chegam perto do que foi Paulo e Jesus se gloriando em coisas vãs e inúteis, tais como o fato de viajarem por todo o mundo, se hospedarem em hotéis cinco estrelas. 

A autopromoção é a febre do momento, e não é para menos, afinal,  presente momento é mais midiático do que nunca, e que vai na onda contrária corre o risco de ficar para trás. Daí minha anuência à fala de Jones de que a humildade não é uma virtude nem apreciada e muito menos cultivada pela igreja. Mas o que vem a ser o homem humilde?
  1. Orlando Boyer define a humildade como o sentimento de pouco, ou nenhum mérito, ou seja é aquele sentimento de gratidão plena que toma o homem diante de uma realização. 
  2. Este sentimento foi devidamente expresso por paulo quanto este afirmou: mas pela graça de Deus sou o que sou; e sua graça a mim dispensada não foi estéril. Ao contrário, trabalhei mais do que todos eles; não eu, mas a graça de Deus que está comigo (I Co 15. 10 Bíblia de Jerusalém). 
  3. O leitor possivelmente tenha percebido que em momento algum Paulo se autodeprecia, pelo contrário, ele sabe que trabalhou mais do que todos os demais, mas ele dá a devida honra a Deus ao afirmar: não eu, mas a graça de Deus que está comigo
  4. Mas a humildade é  a completa falta de segurança própria e autodependência. Ela indica a consciência de que nada representamos na presença de Deus. Conforme afirma Jones, é aquele tremenda tomada de consciência de nossa própria nulidade quando chegamos a enfrentar Deus face à face
  5. Humilde é o homem que na presença de Deus é incapaz de sentir qualquer outro sentimento além de um senso de penúria espiritual. Foi este o sentimento que tomou conta do publicano da parábola do fariseu e do publico. No relato ele sequer ousa erguer os olhos aos céus ele tão somente afirma: sê propício a mim pecador (Lc 18. 13, 14). 
  6. Este mesmo sentimento se vê em Paulo, quando este esteve diante dos coríntios para lhes pregar o Evangelho
  7. Brennan Menning afirma que o homem verdadeiramente humilde não teme revelar, expor a si mesmo, expor os seus fracassos pessoais, ou como disse Paulo: gloriar-se em suas fraquezas pessoais, mas confia na graça e no poder de Cristo (II Co 12. 8 - 10). 
  8. Jesus disse: em verdade vos digo: aquele que não receber o Reino de Deus como uma criancinha não entrará nele (Lc 18. 17 Bíblia de Jerusalém). Mas o quê Cristo quis dizer com isto, que toda criança é salva? De modo nenhum! 
  9. Nas passagens sinóticas deste texto (Mt 19. 13 - 15; Mc 10. 13 - 16; Lc 18. 15 - 17) pode-se observar um elemento comum, o de que a referida fala de Cristo antecede o relato do jovem rico, cujo maior problema não está na sua riqueza, mas na autossuficiência, e isto, ao ponto de afirmar que guardava todos os mandamentos (Mt 19. 16 - 22; Mc 10. 23 - 27). Mas qual o perfil do homem que se faz tal qual uma criança?
  10. Brennan Manning insinua no clássico o Impostor que Vive em Mim que sob a visão rousseauniana a sociedade aprendeu a ter uma visão ingênua a respeito da infância, a criança nos tempos bíblicos era desprezada, o homem humilde possivelmente o seja, visto que não investe em imagem pessoal, nem vive para projetar a si mesmo. 
  11. Além domais conforme pontua Jonh MacArthur, as crianças têm entrada gratuita no reino não em função da ausência de corrupção, mas pelo fato de nada poderem fazer por si mesmas, e Deus em sua misericórdia as assiste. 
Esta marca do discípulo é gerada tão somente pela ação do Espírito Santo de Deus, que ao transformar o coração humano restringe a soberba, ou melhor, desperta no homem o senso de dependência divina. É a estes que o Reino de Deus é oferecido. Falarei melhor sobre a segunda parte deste texto no próximo estudo. Forte abraço em, Cristo. 

Pr Marcelo Medeiros. 

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