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terça-feira, 12 de novembro de 2013

Lição da EBD n° 7: Contrapondo a arrogancia com a humildade


Humildade e arrogância são palavras muito desgastadas pelo vocabulário popular. Justamente por este motivo o estudo que contraste as duas é de extrema importância. Um fator complicador é que o dicionário pouco ajuda. O Aurélio on line, por exemplo define a humildade como: Rebaixamento voluntário por um sentimento de fraqueza ou respeito. Modéstia, pobreza, quando a na verdade nenhuma destas definições é realmente satisfatória. Quando recorremos ao Michaelis, observamos a mesma falha conceitual, sendo que este acrescenta o seguinte às definições do Aurélio: Demonstração de respeito, de submissão. Inferioridade. visando colaborar, acrescentar, sem, contudo esgotar, proponho neste post, fazer uma breve consideração da temática à luz da Filosofia, da Exegese, e da Bíblia.

I) Humildade e Arrogância na Filosofia

 A humildade é um tema de suma importância dentro da Filosofia. Mas gostaria de informar ao leitor, que minha opção por fazer um paralelismo entre a Sabedoria bíblica e a filosofia, se dá em razão de acreditar que Filosofia e Teologia possuem uma busca comum, a despeito da abordagem metodológica que venham apresentar, das conexões e contradições no resultado final. Mas a busca é comum, e uma se alimenta dos resultados da outra para elaborar novas questões.
A sabedoria judaica, cada vez menos popular entre cristãos, foi, ao lado da Filosofia uma grande indagadora a respeito de temas antropológicos, existenciais, cosmológicos, ontológicos (a respeito do ser), e metafísicos (a respeito da realidade última das coisas). Tanto em Salomão quanto em Platão podemos ver proposta a respeito de como se viver a vida da melhor forma possível. Assim, não podemos nos furtar de todo ao que os filósofos tem a nos dizer, e mais ainda não podemos deixar de comparar as verdades colocadas por eles com o que a Bíblia já nos diz, mas não lemos, e se lemos, não entendemos como convém.
Para fazer esta abordagem gostaria de lançar mãos da filosofia de Mario Sergio Cortella, visto ser este um filósofo cuja abordagem dos temas é bastante acessível, dada simplicidade com que ele fala e escreve. Uma das abordagens que ele faz é a cósmica, ou seja consiste justamente em um apelo à simplicidade face à nossa pequenez diante do cosmos. Este apelo aparece em um artigo intitulado: E tem gente que se acha, publicado em um livro do mesmo autor, que tem por título: Qual é a tua obra? Veja como ele explica:
Nossa galáxia, repleta de estrelas, uma delas é o que agora chamam de estrela anã, o Sol. Em volta desta estrelinhas giram algumas massas planetárias sem luz própria, nove ao todo, talvez oito (pela polêmica classificação em debate). A terceira delas, a partir do Sol é a terra. O que é a terra?
A terra é um planetinha que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõe uma Galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias, num dos universos possíveis, e que vai desaparecer. Veja como nós somos importantes.
 Para o filósofo em apreço tanto eu quanto você, caro leitor somos,
um entre 6, 4 bilhões de indivíduos, pertencente a uma única espécie, entre outras três milhões de espécies classificadas, que vive num planetinha, que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias, num dos universos possíveis e que vai desaparecer. É por isto que na vida todas as vezes que alguém me pergunta: "você sabe com quem está falando?" eu respondo: "você tem tempo?"
A humildade aqui consiste na clara consciência de nossa pequenez diante do cosmos e mais da fragilidade de nossa vida. Sou tentando a fazer conciliação entre a Filosofia de Cortella e a Bíblia visto que tal ideia tem sim o devido eco na voz dos profetas bíblicos. Se você leu até aqui e achou exagerado o que o filósofo diz, veja o que diz Isaias: Para ele as nações não passam de uma gota que cai do balde, são reputadas como o pó depositado nos pratos da balança. As ilhas pesam tanto como o grão de areia! (Is 40. 15  Bíblia de Jerusalém).
O autor de Sabedoria afirma: o mundo inteiro está diante de ti como esse nada na balança, e como gota do orvalho que de manhã cai sobre a terra (Sab 11. 22 Bíblia de Jerusalém). Voltando para Isaías é de suma importância que atentemos para o detalhe exegético de que o texto em que se vê a afirmação de que as nações nada são diante de Deus é o mesmo em que se afirma a nulidade de toda a glória humana (Is 40. 1 - 8).
No mesmo livro em que vemos uma abordagem cosmológica a respeito da necessidade de agir com humildade com relação aos outros, lemos também uma abordagem antropológica que, na verdade é uma interpretação do relato da criação do homem pelo viés bíblico.
De onde vem a palavra "humildade"? de húmus, que é terra fértil, e na origem significa "o solo sob nós". Em outras palavras, húmus é o nível em que nós estamos. A palavra humildade é a mesma da origem húmus, da qual deriva o termo humano [...] Do pó viemos e ao pó tornaremos, isto significa que estamos todos no mesmo nível. Humildade, humano, húmus - estamos no mesmo nível em relação á nossa dignidade.
Aqui o discurso filosófico se apropria do texto bíblico de forma acertada e mais do que apropriada para elaborar a ideia de homem algum tem o direto de se elevar acima de outro homem, visto que todos somos pó, aliás ideia bem presente nas palavras do profeta e do sábio judeu supra. Apenas acrescentaria que estamos no mesmo nível em miséria também. Se o universo em sua imensidão é visto por Deus como a gota que sobrou em um balde, como Deus vê a humanidade como um todo, e o homem que se acha alguma coisa?
Esta contribuição é de suma validade visto que esta consciência tem faltado em nossos arraiais. Um hino de João Alexandre cujo título é Tudo é Vaidade, mostra a nossa tendência de nos gloriarmos em coisas vãs e acharmos que somos mais do que alguém, seja em razão de nossa condição social, de nossa erudição, de nossa formação social, intelectual e eclesiástica. Às vezes a percepção distorcida do que seja o exercício ministerial agrava ainda mais a situação. Feitas as considerações passemos para humildade e a arrogância na exegese bíblica.

II) Humildade e Arrogância na exegese bíblica

A humildade bíblica não se esgota na consciência de nossa insignificância face ao Universo, nem na noção intelectual de que temos o mesmo nível de dignidade e miséria. Embora a atitude intelectual acima descrita seja importante para uma reflexão de práticas muitas das vezes ocultas e não identificadas como arrogantes, ainda assim a reflexão não se esgota. Mas por que recorrer à exegese a fim de abordar um assunto tão obvio como este? O grande problema do obvio é que nem sempre este é visto em sua inteireza. Mas a fim de me expressar corretamente sobre esta questão gostaria de me apropriar das palavras de Martyn Lloyd Jones, para quem:
a mansidão não equivale à indolência. Há pessoas que parecem ser mansas no sentido natural, mas não são mansas de forma nenhuma, e sim, indolentes. Não é de uma característica desta ordem que as Escrituras estão falando. Também não está em foco a tibieza - embora eu use este vocábulo com cautela. Há indivíduos que são complacentes de as pessoas tendem a observar quão mansas elas parecem ser. Todavia, isto não é mansidão, é tibieza. Por igual modo, não está em pauta a gentileza. Há pessoas que parecem ter nascido naturalmente gentis. [...] nestes caso ocorre algo de natureza puramente biológica; o mesmo tipo de fenômeno que pode ocorrer nos animais. Um cão pode ser mais pacifico do que o outro, um gato pode ser mais quieto do que o outro [...]
O que temos em vista é que o leitor reflita e, se possível deixe de lado a falsa ideia de que a humildade possa ser confundida com subserviência. Nada mais falso se observarmos que as pessoas que a Bíblia apresenta como humildes são na verdade de pessoas de personalidade e gênio forte, por exemplo, Moises e Jesus.
Uma expressão frequentemente empregada para descrever Moisés é עֲנָוִ֗ ('anaw), cujo sentido pode ser o de humildade, ou de mansidão como no caso de Moisés (Nm 12. 3).  עֲנָוִ֗ ('anaw) é a raiz do termo hebraico עֲנִיֶּ֛ ('ani), cujo sentido é do pobreza (Dt 15. 11). O pobre em Israel era aquele que não possuindo terra para trabalhar vivia em total estado de indigência, podendo vir a mendigar. Fato é que o pobre do contexto bíblico é bem diferente do pobre do contexto social atual.
Chamamos de pobre quem não possui bens, posses, ou pelos parcos recursos não pode prover sua subsistência. Mas o pobre da Bíblia é literalmente o indigente. Um termo grego que se alinha com este é πτωχοι (ptoochói).  Ele igualmente indica os que não podem se sustentar e dependem de ajuda alheia.
Retornando ao hebraico, o termo  עֲנָוִ֗ ('anaw) representa o aflito, aquele que dada à sua impotência depende exclusivamente de Deus, e que esperam nele. Veja este Salmo onde Davi se dirige a Deus dizendo: Tu ouves o desejo dos pobres, fortaleces o seu coração e lhes das ouvidos (Sl 10. 17 Bíblia de Jerusalém).
Outro termo de grande importância é עֲשֹׂ֤ות (tsnaw), cuja única ocorrência se dá em Miqueias no oraculo em que este condena os muitos sacrifícios do povo quando na verdade o que Deus deseja é expresso na fala: Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus? (Mq 6. 8 ARCF).
A humildade no sentido de baixa condição se expressa no hebraico por meio de um termo que raramente se emprega para pobreza espiritual. דַּלִּ֣ (dal) é empregado para designar pessoas sem nenhum poder, ou recurso material, e que por este mesmo motivo estão sob constante perigo de se verem espoliadas pelos que tem o poder de fazem leis, por exemplo (Is 10. 2).
Uma última palavra hebraica a ser vista aqui é וּשְׁפַל (shapal), e tem o sentido de abatimento (Pv 29. 23; Is 57. 15). Este mesmo traz consigo a verdade de que somente Deus é poderoso para exaltar e para abater. No grego o termo ταπεινωση (tapeinoosei) e seus variados indicam a pessoa humilde, ou que com frequência se humilha diante de Deus (Mt 18. 4; 23. 12).
Já a atitude arrogante pode ser descrita por meio de termos como זָ֭דֹו (zed), que por sua vez denota uma independência em relação a Deus (Pv 11. 2; 13. 10). Existe ainda uma palavra, cuja equivalência com o grego αλαζον (alazon) - fanfarrão - é digna de nota (Pv 21. 24; Hc 2. 5). É o termo יָ֭הִיר (yahir). Feito o breve trabalho de exegese, passemos então à perspectiva bíblica sobre o assunto.
 
III) Humildade e Arrogância na Bíblia
 
Deus tem um tratamento diferenciado para com os humildes e com os soberbos. Certamente ele escarnecerá dos escarnecedores, mas dará graça aos mansos (Pv 3. 34 ARCF). Para Tiago se quisermos vencer nossa concupiscência, que nos afasta de Deus, basta que nos sujeitemos ao Pai. Mas ele nos concede graça maior. Por isso diz a Escritura: "Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes" (Tg 4. 6 ARCF). Pedro também faz uso do texto de provérbios para mostrar a necessidade que temos de estar sujeitos uns aos outros. Da mesma forma jovens, sujeitem-se aos mais velhos. Sejam todos humildes uns para com os outros, porque "Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes" (I Pe 5. 5 ARCF).
Assim, aprendemos que a humildade é uma atitude do homem para consigo mesmo. Em outras palavras o homem verdadeiramente humilde não se auto promove. Muitos se dizem homens fieis, mas quem encontrará um homem leal? (Pv 20. 6 Bíblia de Jerusalém). Seja outro que te louve não a tua boca, um estranho, não os teus lábios (Pv 27. 2 Bíblia de Jerusalém). Não queremos aqui dizer que o homem humilde viva para se anular, não! O homem humilde tem noção do seu valor, mas não vive para provar o seu valor aos demais.
A humildade também é uma atitude do homem para com os outros, afinal o sábio Salomão afirma: Melhor é ser humilde [וּשְׁפַל (shapal)] com o pobres [עֲנִיֶּ֛ ('ani)] do que repartir o despojo com os soberbos (Pv 16. 19 Bíblia de Jerusalém). Por saber que é pó, e que é solidário em pecaminosidade, bem como em carência de misericórdia da parte de Deus, o humilde não se eleva acima de ninguém.       
Mas a humildade também é uma atitude do homem para com Deus, que faz com que os mesmos se coloquem sob a potente mão do Eterno, com vistas que o Senhor mesmo os exalte em seu devido tempo. O homem que teme a Deus é galardoado com a sabedoria, afinal, onde entra a insolência entra o desprezo, mas com os humildes está a sabedoria (Pv 11. 2 Bíblia de Jerusalém). A insolência só causa discórdia; a sabedoria está com quem se deixa aconselhar (Pv 13. 10 Bíblia de Jerusalém).
Considerando que Deus zomba dos zombadores insolentes, mas aos pobres concede o seu favor (Pv 3. 34 Bíblia de Jerusalém), ele dispensa a sua sabedoria aos humildes.
A verdadeira humildade é indissociável do temor do Senhor. O temor do Senhor, diz a Bíblia: é o ódio ao mal, detesto o orgulho, a soberba e a boca falsa (Pv 8. 13 Bíblia de Jerusalém). Ele também é o princípio da sabedoria (Pv 1. 7; 9. 10). Face ás colocações a conclusão lógica é a de que o temor de Iahweh é disciplina de sabedoria, antes da honra está a humilhação (Pv 15. 33 Bíblia de Jerusalém). A palavra para honra aqui é כָבֹ֣וד (kabod). Ela expressa um reconhecimento que cabe exclusivamente á Deus, mas que ele divide com os humildes.
Encerramos afirmando que o orgulho é a essência do pecado, não é sem razão que Salomão afirma: olhar altivo, coração orgulhoso, a lâmpada dos ímpios são pecado (Pv 21. 4 Bíblia de Jerusalém). Logo, ninguém se faz humilde sem que o Espirito de Deus e de Cristo habitem nele. Do contrário, o máximo que conseguiremos é exibir uma afetação carnal, que será vista aos olhos de todos como humildade, mas que na verdade nada mais é do que uma faceta do nosso orgulho. Me despeço rogando a Deus como disse o salmista: Quem pode entender os seus erros? Expurga-me tu dos que me são ocultos. Também da soberba guarda o teu servo, para que se não assenhoreie de mim. Então serei sincero, e ficarei limpo de grande transgressão (Sl 19. 12, 13 ARC).

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros
 

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