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sábado, 26 de julho de 2014

Sermão do Monte: As bem-aventuranças



A proposta deste estudo consiste em dar seguimento ao estudo a respeito do sermão do monte, algo já iniciado por nós neste espaço (aqui). No último estudo a respeito da temática pude concluir que o sermão do monte, em geral, tem de ser articulado com a pregação de Jesus a respeito da proximidade do Reino de Deus e do arrependimento, enquanto condição intrínseca para a entrada do cristão neste mesmo Reino. Este é o pressuposto hermenêutico e exegético sobre o qual o fiel discípulo deve trabalhar em seu discipulado a fim de ser fiel dispenseiros dos mistérios de Deus. 

Antes de dissertar a respeito das bem-aventuranças, preciso explicitar que a ordem de Cristo é fazer discípulos de todas as nações e que este discipular consiste em ensinar todas as coisas que Jesus ordenou. Creio firmemente que o sermão do Monte é, ao mesmo tempo uma descrição do que o cristão tem de ser, e um retrato fiel do próprio Cristo, que por sua vez é o padrão por excelência daquilo que o cristão tem de ser. Nenhuma produção literária, incluindo os meus comentários a respeito de técnicas de discipulado é tão eficaz em realizar aquilo que Cristo pretendeu quando ordenou que seus discípulos fossem em todas as nações discipulando. 

O sermão do Monte é uma descrição do próprio Cristo, do cristão autêntico, e um resumo do ensino global de Cristo. Conforme pontuado por Brennan Manning no clássico O impostor que Vive em Mim, o sermão do Monte não começa com exigências éticas, mas com a promessa que o Reino é destinado aos pobres (que neste contexto é o homem cônscio de sua miséria espiritual e de sua dependência de Deus). O autor em apreço ainda pontua que a verdadeira essência da humildade está em ser desprezível aos olhos das pessoas (matéria que tratarei em posts posteriores). 

Com isto pretendo que o autor entenda duas questões extremamente simples, o significado de bem-aventurança no contexto do Evangelho, e como estas se aplicam a todos os crentes genuinamente convertidos, nascidos de novo, sem exceção. Pretendo começar o estudo desatando o nó em torno do conceito de bem aventurança. 

O termo bem-aventurança é usualmente entendido como o estado de beatitude eterna, que os santos gozam no céu. Em uma cultura moldada pelo catolicismo a tendência comum é encarar os crentes que já partiram como os únicos santos de fato, ignorando a santidade posicional e a graça que santifica a todo e qualquer cristão verdadeiramente nascido de novo. Esta péssima ideia pode vir por terra quando se observa, por exemplo, a carta de Paulo aos irmãos de Corinto, que a despeito dos problemas morais, eclesiásticos e doutrinários são chamados de santos (I Co 1. 2; 6. 11). 

Outra questão a ser devidamente considerada é o conceito de felicidade, que lexicalmente é definida como sendo a sorte, ou a satisfação íntima, o contentamento, via de regra condicionado à fortuna na vida, ou às conquistas pessoais. A felicidade proposta por Cristo aqui, não tem nada a ver com o acaso, com a eventualidade, com êxitos, ou sucessos temporais. Também não possui conexão com o conceito clássico grego ευδαιμονια (eudaimonia), cujo sentido básico é o de estar sobre a proteção do deus (não importando se este é bom, ou mau). 

Os escritores do Novo Testamento abandonaram o conceito de ευδαιμονια (eudaimonia) pelo fato de que a palavra δαιμον (daimon) ter sido associada, de forma pejorativa à ação dos demônios,mas mesmo assim, o legado ficou a Teologia Moral de Causa e efeito comprova isto. Ainda prevalece a ideia de que de alguma forma o viver ético garante ao homem algum tipo de moeda que lhe dê meios para barganhar a felicidade com algum deus. Não é esta a proposta do sermão em apreço e menos ainda da secção que pretendo analisar aqui. 

Todavia o entendimento é vital para a percepção de que uma única matriz teológica flui nos círculos das religiões atuais conceito instrumental de divindade. Ou seja, deus, é aquilo que me guarda, que me protege, e quando se lê as bem-aventuranças percebe-se que todas estas percepções ruem por terra. Na lógica do Reino, os pobres e os perseguidos são os afortunados de fato (Mt 5. 3, 10 - 12). Mas afinal, o que é ser bem-aventurado? É estar sob a égide do Reino, o que se dá em dois níveis. 

As Bem-aventuranças, bem como todo o ensino do Monte são uma radiografia de Jesus, visto que este é o primeiro a cumprir as exigências do discipulado. Em sua encarnação ele se identificou com o que há de mais vil de desprezível no mundo (é neste sentido que ele se fez pobre). Diante do túmulo de Lázaro ele pranteou a estreita visão do poder que as pessoas tinham (Jo 11. 35), assim como lamentou pela impenitência de cidades que viram seus milagres (Mt 11. 20 - 24), e a dureza de Jerusalém (Lc 13. 34, 35). 

A mansidão de Cristo se vê na ausência de qualquer resposta violenta diante das acusações dos fariseus de que expulsava demônios por Belzebú (Mt 12. 24 - 28), ou que era um comilão e beberrão (Mt 11. 19). Sua fome e sede de justiça se vê pelo simples fato de colocar questões do Reino de Deus acima mesmo de suas necessidades biológicas (Jo 4. 34). Também se vê a fome de justiça em Cristo naqueles textos em que ele é visto orando em um local reservado (Mc 1. 35; Lc 5. 16; 6. 12). 

A misericórdia de Cristo se vê na visão que o mesmo tem das multidões que andam como ovelhas que não tem pastor, bem como em uma de suas primeiras palavras na cruz, quando Jesus é retratado pedindo perdão pelos seus ofensores (Mt 9. 34, 35; Lc 23. 34). A respeito de sua pureza de coração, é possível afirmar aqui que a Bíblia declara que em sua boca não houve dolo algum (I Pe 2. 22), e como a boca fala da abundancia do que há no coração (Lc 6. 45), é mais do justo pensar que Cristo foi puro de coração. 

Cristo foi pacificador ao ponto de estabelecer a paz entre o homem e Deus (Ef 2. 14, 15, 17), mas a fala do sermão de preparação dos seus discípulos indica que esta paz não se dá a qualquer custo, e nem às expensas da verdade (Mt 10. 34). A morte de cruz sofrida pelo filho de Deus é o maior indicador de que ele também é exemplo de sofrimento pela causa da justiça. Aqui cabe reforçar a ideia de que não se consegue tal ideal pelo puro e simples desempenho, mas pelo Espírito de Deus, conforme pontuado por Martin Lloydd- Jones. 

Uma segunda dimensão das bem-aventuranças é a descrição que se vê nas mesmas a respeito do verdadeiro discípulo, do súdito do Reino. Ele é alguém que tem profunda comunhão com Cristo. É pobre, mas é rico, por ter em Deus o seu maior tesouro, sua fome e sede de justiça é devidamente saciada pelo pão vivo que desceu do céu. Este crente é feliz em virtude da comunhão profunda que desfruta com o Pai, com Cristo, que o permite antecipar o gozo do Reino, mesmo em meio às mais ferrenhas tribulações. 

Esta é a essência inicial das bem-aventuranças, por ora me despeço rogando a Deus que este estudo tenha sido fonte de iluminação para o leitor. Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros. 

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