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quarta-feira, 9 de julho de 2014

O propósito da tentação



Em nosso idioma a tentação é um tipo de atração por coisa proibida, um movimento íntimo que incita ao mal, um desejo veemente. Na Bíblia os termos empregados para tentação, a saber נִסָּ֖ה ou מַּסָּֽה (nasah ou masah) e πειρασμοις (peirasmos),  nem sempre possuem esta conotação, podendo também serem empregadas para exprimirem algum tipo de teste, ou provação com vistas a dar uma lição. É neste ponto que se pode falar em propósito. 

As provações revelam um desígnio divino. Esta é a verdade que emerge da narrativa bíblica, e aí, igualmente reside a grande diferença entre a tentação no plano divino, e a tentação no plano humano, ou satânico. Se Satanás pretende derrubar o crente, ou induzir o mesmo ao pecado, Deus ao contrário, visa com a provação, ou com a tentação, o aperfeiçoamento do fiel. O presente estudo tem como objetivo demonstrar tal diferença, que Deus abençoe o leitor. 

FUNDAMENTO EXEGÉTICO

E aconteceu, depois destas coisas, que tentou Deus a Abraão (Gn 22. 1a ARC). Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta (Tg 1. 13 ACF). Estes dois textos colocam tanto o leitor atento quanto o crítico diante de uma aparente contradição, afinal, Deus tenta, ou não tenta! O redator de Gênesis (tradicionalmente Moisés), afirma que sim; ao ponto que Tiago, o irmão do Senhor nega. E agora?

A verdade é que os termos empregados para exprimir tentação, a saber נִסָּ֖ה ou מַּסָּֽה (nasah ou masah) e πειρασμοις (peirasmos), possuem também a ideia de testar, experimentar, tanto que as versões mais atuais substituíram o verbo tentar, pelo experimentar, ou colocar à prova. Da mesma forma πειρασμοις pode ser um simples teste, que é posto à nossa fé. Assim, em Tiago o termo em apreço tanto pode ser empregado para expressar a provação, quanto à tentação. 

Quando a Bíblia diz que é bem-aventurado o homem que sofre a tentação (πειρασμοις); porque, quando for provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o ama (Tg 1. 12 ACF), entendemos aqui que πειρασμοις na verdade é provação. Agora quando o mesmo autor diz: Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta (Tg 1. 13 ACF), o que ele está dizendo é que Deus não pode induzir ninguém ao mal, neste sentido é correto afirmar que Deus que a ninguém tenta. E isto, porque ele mesmo não pode ser tentado pelo mal. 

Uma observação extremamente necessária a respeito do último texto é que o verbo tentar, ou πειραζω (peirazoo) aparece por três vezes neste verso de Tiago. O mesmo é empregado ao longo da narrativa bíblica a fim de expressar a ação dos fariseus em tentar a Cristo, por exemplo. E, chegando-se os fariseus e os saduceus, para o tentarem, pediram-lhe que lhes mostrasse algum sinal do céu (Mt 16. 1 ACF). Ou a própria ação de Satanás (Mt 4. 1, 3). 

Os fariseus submetiam Jesus à prova, visando ter algo de que o acusar (Jo 8. 6). Na Tradução Ecumênica Brasileira, se lê: eles falavam assim com a intenção de armar-lhe uma cilada, para ter de que acusá-lo. Este é o propósito de Satanás, bem como dos seus mais diversos agentes, que no contexto do Evangelho são os fariseus, e quando eles colocam o homem à prova o fazem no sentido de fazer o homem, ou um oponente fracassar. 

Quando Deus prova é diferente. Paulo se vale das tentações no deserto para explicar aos crentes de Corinto a natureza das provações divinas, ele afirma: Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar (I Co 10. 13 ACF). 

Foi assim com Israel no deserto, a cada teste, a cada prova vinha sempre algum tipo de livramento da parte de Deus. Exemplos? O Cordeiro de Abraão preso nos espinheiros, o lenho em Mara, a Rocha em Refidim, o Maná, são demonstrações de que nenhuma provação que vem de Deus é de todo insuportável ao homem, mais do que isto, são provas cabais de que o homem ao ser provado é assistido por Deus em sua provação. 

Por ora, convém reafirmar que πειρασμοις pode ser tanto a tentação para induzir o homem ao mal, quanto a tentação no sentido de provação, e mais, angústias também podem ser expressar por este termo (Lc 22. 28; Ap 3. 10). Uma atenção precisa ser dada a este último texto em que Jesus promete guardar a sua Igreja, em Filadélfia, da hora da πειρασμου της μελλουσης (peirasmos tees mellouses), ou provação que está por vir. 

A Grande promessa deste texto é que os que guardam a palavra da paciência (um produto das tribulações enviadas por Deus com vistas ao aperfeiçoamento do seu povo), são deveras guardados em meio às mais severas tentações (não creio que este texto fale de um arrebatamento pré-tribulacional, como alegam alguns), este é o cerne da promessa divina. 

GOZO NAS AFLIÇÕES
Meus irmãos, tende grande gozo quando cairdes em várias tentações;

Sabendo que a prova da vossa fé opera a paciência.
Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma (Tg 1. 2 - 4 ACF). 
Estas palavras são, ou estão se tornando cada vez mais incompreensíveis à geração atual. Mas como bem disse Martin Lloydd-Jones em seus estudos sobre o sermão do monte, a alegria nas tribulações deveria ser o teste de autenticidade de todo o cristão. Jesus deixou claro aos seus seguidores que eles teriam aflições nesta vida, e que deveriam encarar as mesmas com alegria, uma vez que na história sagrada todos os profetas foram perseguidos (Mt 5. 11, 12), e com bom ânimo, visto que ele havia vencido o mundo (Jo 16. 33). 

O ânimo cristão vem do exemplo pessoal de Jesus, ao passo que a alegria nas aflições advém da perspectiva de uma vida futura, bem como do galardão que a mesma reserva aos crentes em Cristo. Neste aspecto, o homem que sofre a tentação é feliz porque ao ser aprovado tem a expectativa de receber uma coroa, a coroa da vida. É esta firme expectativa a fonte do gozo inefável do crente, mesmo quando este está em meio às tribulações. Esta mesma verdade transparece na carta de Pedro, veja:
inda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações,

Para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo;
Ao qual, não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso (I Pe 1. 6 - 8) 
O texto deixa implícito que:
  1. A despeito do quanto venhamos a nos entristecer com as tribulações, as mesmas são necessárias. 
  2. Por meio das aflições, ou das mais variadas tentações, a fé cristã é provada. E mais importante, 
  3. O amor que o crente tem por Cristo é a fonte de todo o gozo do cristão em meio à tribulação. O crente não vê a Cristo, mas crê, e como fé e amor são indissociáveis (I Co 13. 7; Gl 5. 6 ). 
DEUS A NINGUÉM TENTA
Não digas: "é por causa do Senhor que me afastei", pois o Senhor não faz o que detesta. Não digas: "foi Ele quem me desviou", pois Ele não precisa do pecador. O senhor odeia toda abominação: não pode ser amada pelos que o temem. Ele mesmo criou o homem no começo e o entregou ao seu próprio arbítrio. Se quiseres, podes observar os mandamentos, ficar fiel depende de tua boa vontade (Sir 15. 11 - 15 Tradução Ecumênica Brasileira). 
Este texto consta nas Bíblias de tradução católicas, que trazem sete livros à mais. Sem entrar na discussão a respeito da inspiração, gostaria apenas de acrescentar que tais textos revelam o pensamento de uma época, e a progressão na compreensão de determinadas temáticas. O pensamento de Jesus Ben Sirac, coaduna com o de Salomão, que afirma: É a insensatez do homem que arruína a sua vida, mas o seu coração se ira contra o Senhor (Pv 19. 3 NVI). 

O desejo de pecar, por parte do homem, não procede de Deus. A diferença entre Jesus Ben Sirac e Tiago, consiste o fato de que para o sábio judeu do primeiro século antes de Cristo, o homem pode escolher entre pecar e não pecar, a despeito de século antes Qohelet ter dito que não existe um homem tão justo sobre a terra que faça o bem sem jamais pecar (Ec 7. 20 Bíblia de Jerusalém). 

Tiago aponta para o fato de que cada qual é tentado pela própria concupiscência quando esta o arrasta e seduz (Tg 1. 14 TEB). Os termos εξελκομενος και δελεαζομενος (ezelchomenos kai deleazomenos), são oriundos do mundo da caça e da pesca, indicando que nossa concupiscência é tão cruel quanto um caçador, ou um pescador. Assim, εξελκω denota uma caça sendo arrastada, ao passo que δελεαζω, indica um peixe que á atraído por uma isca. 

Este conceito é melhor abordado por Paulo, por meio das seguintes palavras: 
Que diremos então? A lei é pecado? De maneira nenhuma! De fato, eu não saberia o que é pecado, a não ser por meio da lei. Pois, na realidade, eu não saberia o que é cobiça, se a lei não dissesse: "Não cobiçarás". Mas o pecado, aproveitando a oportunidade dada pelo mandamento, produziu em mim todo tipo de desejo cobiçoso. Pois, sem a lei, o pecado está morto. Antes, eu vivia sem a lei, mas quando o mandamento veio, o pecado reviveu, e eu morri. Descobri que o próprio mandamento, destinado a produzir vida, na verdade produziu morte. Pois o pecado, aproveitando a oportunidade dada pelo mandamento, enganou-me e por meio do mandamento me matou (Rm 7. 7 - 11 NVI). 
De acordo com este texto, o pecado se vale até mesmo de nossas virtudes e mesmo da lei, para se impor aos membros do corpo humano. A cobiça é algo que está sempre presente no ser humano. Perceba que em momento algum Paulo culpa a lei, ele sabe que o problema está não nesta, mas em uma lei que guerreia em seus membros (Rm 7. 14 - 17).  

Mesmos os mais insignificantes dos conflitos tem a sua razão de ser nos desejos que guerreiam no íntimo do ser humano, de forma que ele cobiça infinitamente, e quanto mais conquistam, menos pode se realizar plenamente (Tg 4. 1 - 3). Esta é a essência da natureza pecaminosa no homem. Mas mesmo este tipo de tentação tem a sua razão de ser. 

O PROPÓSITO DA TENTAÇÃO

Na leitura da trajetória do povo de Deus no deserto, é possível observar que por sucessivas vezes, Deus tentou o povo no deserto. Sim, ali lhes deu estatutos e uma ordenança, e ali os provou (Ex 15. 25 ACF). Na ocasião em que mandou o maná, disse o Senhor a Moisés: Eis que vos farei chover pão dos céus, e o povo sairá, e colherá diariamente a porção para cada dia, para que eu o prove se anda em minha lei ou não (Ex 16. 4 ACF). Até no Sinai, o povo foi tentado, mas com que finalidade?

No caso do Sinai, veja a explicação dada por Moisés: Não temais, Deus veio para vos provar, e para que o seu temor esteja diante de vós, a fim de que não pequeis  (Ex 20. 20 ACF). Mas e no caso da provação no deserto? É visível, que Deus prova o povo visando a humilhação do mesmo, bem como a revelação do que há nos corações dos mesmos, mas também prova visando um valioso ensino, que é o seguinte:
E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias os seus mandamentos, ou não.
E te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conheceste, nem teus pais o conheceram; para te dar a entender que o homem não viverá só de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor viverá o homem (Dt 8. 2, 3 NVI). 
é na provação que o homem aprende o que é de fato é dependência de Deus. Mas nãop para aí, quando acompanhadas pela esperança, as tentações servem para a prova da fé em Cristo (I Pe 1. 6, 7), bem como para o processo de desenvolvimento da paciência. Jesus disse aos seus discípulos: é perseverando que vocês obterão a vida (Lc 21. 19 NVI). O termo perseverança equivale à paciência  (υπομονη [hypomonee]). 

Mas e quanto as tentações oriundas dos desejos pecaminosos? Elas servem para ensinar aos crentes que  despeito da fraqueza dos mesmos, estes são alvo do amor de Deus, e que por este motivo estão livres para amar outros crentes frágeis, e mais estão prontos para interceder pelos mesmos. é o que se pode aprender com o autor de Hebreus
Porque todo o sumo sacerdote, tomado dentre os homens, é constituído a favor dos homens nas coisas concernentes a Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados; E possa compadecer-se ternamente dos ignorantes e errados; pois também ele mesmo está rodeado de fraqueza. E por esta causa deve ele, tanto pelo povo, como também por si mesmo, fazer oferta pelos pecados (Hb 5. 1 - 3 ACF). 
Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros.  

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