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quarta-feira, 16 de julho de 2014

A importância da Sabedoria Humilde



Sabedoria é um termo cujo conceito varia do acúmulo de muitos conhecimentos; grande instrução; ciência, erudição, saber até a aplicação inteligente destes mesmos conhecimentos, produzindo uma conduta orientada de acordo com o conhecimento daquilo que é verdadeiro e justo. Os escritos de sabedoria, e principalmente a carta de Tiago, dão maior ênfase a este último aspecto, mas não há como negar, que na Bíblia o termo aparece com uma variada gama de significados. 


O estudo do assunto é de fundamental importância, tanto pelo valor exegético, quanto pela desconstrução de uma cultura que impera em neste país, e que tem o seu impacto na vida da Igreja. Somado ao fator histórico de que a educação é tão somente uma ferramenta de ascensão social, observo a emergência de uma cultura de morte da razão, o que demanda em nova incursão sobre o tema. Minha proposta começa com a conceituação exegética e lexical do assunto, e avança para o contexto da carta de Tiago e do tempo presente. 

O CONCEITO EXEGÉTICO DE SABEDORIA

A sabedoria חָכְמָ֛ה (hokmanh) pode ser aplicada à perícia técnica de um artesão, como no caso dos que foram empregados na confecção das vestes sacerdotais e dos objetos e utensílios do tabernáculo (Ex 28. 3; 31. 3, 6; 35. 31; 36. 1). Aqui acabe a observação de que neste aspecto ocorre uma aproximação entre חָכְמָ֛ה (hokmanh) e σοφια (sophia), que na cultura helênica compreendia os artesãos que eram habilidosos em seu ofício.

Sócrates, o primeiro filósofo encarava a sua tarefa como uma missão que lhe fora dada pelos deuses. Conta-se que quando Querofonte, seu amigo, foi consultar o oráculo de Delphos, este ouviu do mesmo a seguinte frase: Sócrates é o mais sábio de todos os mortais. Na interpretação de Kreuff, a sabedoria era algo que pertencia exclusivamente aos deuses e foi por este motivo que a afirmação perturbou ao filósofo em questão.

Com esta indagação em mente Sócrates sai por toda parte fazendo perguntas aos homens, dese os que se consideravam sábios até os que eram tidos por ignorantes, a fim de averiguar se de fato o oráculo era verdadeiro. Sua conclusão é que os artesãos que ele achou maior sabedoria, pois estes ao menos eram peritos em sua arte, ao passo que os que se julgavam sábios nada sabia. O filósofo em questão também constatou que de fato era sábio, por que sabia que nada sabia.

Este é um outro ponto em que a sabedoria judaica converge com a socrática, uma vez que somente clamam por sabedoria, aqueles que sentem que não a possuem. Daí Tiago afirmar: se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada  (Tg 1. 5 NVI). 

Tanto חָכְמָ֛ה quanto σοφια podem ser empregados para expressar uma sabedoria secular, que sendo dom de Deus, é igualmente acessível aos homens, por meio da graça comum, e que se torna problema para o homem do momento em que ele pensa que pode opor-se ao plano de Deus (Is 47. 10; Jr 49. 7). Um exemplo claro deste tipo de sabedoria é a exibida pelos amigos de Jó, que era uma sabedoria prática, pragmática, adquirida com o tempo (Jó 15. 8 - 10), mas que foi rechaçada por não explicar o desígnio divino na vida de Jó. 

Tanto Jó, quanto Eliú desdenharam da suposta sabedoria dos seus amigos. Com os idosos está a sabedoria, e na longevidade o entendimento. Com ele está a sabedoria e a força; conselho e entendimento tem (Jó 12. 12, 13 ACF), esta afirmação de Jó significa que nem sempre a idade traz sabedoria. 
Dizia eu: Falem os dias, e a multidão dos anos ensine a sabedoria. Na verdade, há um espírito no homem, e a inspiração do TodoPoderoso o faz entendido. Os grandes não são os sábios, nem os velhos entendem o que é direito. Assim digo: Dai-me ouvidos, e também eu declararei a minha opinião. Eis que aguardei as vossas palavras, e dei ouvidos às vossas considerações, até que buscásseis razões. Atentando, pois, para vós, eis que nenhum de vós há que possa convencer a Jó, nem que responda às suas razões (Jó 32. 7 - 12 ACF). 
Eliú afirma que retardou o seu discurso a respeito dos problemas de Jó, esperando que os anos dos anciãos que o precederam ensinassem a sabedoria, mas o que se viu foi justamente o contrário. É com esta ótica, que a leitura de I Co 1. 18 - 22 ganha significado, uma vez que neste contexto a sabedoria tanto é a erudição intelectual, quanto (I Co 1. 22, 23), quanto a perspicácia do homem em estratagemas políticos, sendo ambos superados pela sabedoria da cruz, manifesta em Cristo Jesus (I Co 1. 30, 31; 2. 6, 7). 

Na concepção rabínica a sabedoria de Deus se confunde com a erudição escriturística, sendo que nesta visão a sabedoria pré existente é associada à Toráh (תֹורָתְ). Há fundamentos para tal entendimento tanto na literatura canônica, quanto na deuterocanônica. Assim, em Baruque se lê que a sabedoria é o livro dos preceitos de Deus, a lei que subsiste para sempre; todos os que a ela se agarram destinam-se á vida, e os que a abandonarem perecerão (Br. 4. 1 Bíblia de Jerusalém). O mesmo se percebe com a leitura de Sirácida, onde após a exposição dos meios de aquisição da sabedoria afirma: tudo isto é o livro da Aliança do Deus Altíssimo, a lei que Moisés promulgou, a herança para as assembleias de Jacó (Eclo 24. 32)

Nos escritos canônicos tal conceito se faz presente. Para tal basta que se leia a seguinte afirmação de Davi: 
Tu, pelos teus mandamentos, me fazes mais sábio do que os meus inimigos; pois estão sempre comigo. Tenho mais entendimento do que todos os meus mestres, porque os teus testemunhos são a minha meditação. Entendo mais do que os antigos; porque guardo os teus preceitos (Sl 119. 98 - 100). 
Perceba: Deus é a fonte de sabedoria, mas o instrumento pelo qual ele derrama a sabedoria é a revelação escrita.  O acesso à revelação o entendimento decorrente da meditação constante na Palavra de Deus. Este entendimento supera a sabedoria acumulada durante anos. O justo ainda que morra prematuramente terá repouso, velhice venerável não é longevidade, nem é medida pelo número dos anos, as cãs do homem são a inteligência e a velhice uma vida imaculada (Sab 4. 7- 9 Bíblia de Jerusalém). Se a velhice não é acompanhada pela vida de justiça, de nada adianta. 

Cristo enquanto sabedoria de Deus (I Co 1. 30, 31; 2. 6, 7), é o perfeito cumprimento da sabedoria personificada da literatura sapiencial do Antigo Testamento (Pv 1. 20 - 32; 8 - 9). Paulo afirma que em Cristo se acham escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento (Cl 2. 3 Bíblia de Jerusalém), e partindo desta lógica, o crente não precisa se deixar ser enganado por argumentos capciosos (Cl 2. 4, 5).

A SABEDORIA NO CONTEXTO DE TIAGO

Tiago é conhecedor das Escrituras e demonstra isto no concílio de Jerusalém (At 15. 13 - 19), mas a sabedoria, conforme abordada por ele, deve ser buscada em Deus, por meio da oração e tem de ter uma dimensão profundamente prática. Neste contexto é possível observar que: 1) Deus é a fonte de sabedoria, 2) Cada qual deve buscar esta sabedoria em oração confiante, 3) Deus partilha desta sabedoria com todos, de forma liberal, 4) esta sabedoria não visa o debate com fins esnobistas e exibicionistas, 5) se manifesta por meio de frutos de justiça.

A leitura atenta dos textos em que a sabedoria é equiparada à perícia técnica (Ex 28. 3; 31. 3, 6; 35. 31; 36. 1), revela uma verdade inconteste, a de que Deus é o autor da sabedoria em questão. Deus mesmo ordena: falarás também a todos os que são sábios de coração, a quem eu tenho enchido do espírito da sabedoria (Ex 28. 3 ACF), Iahweh mesmo encheu Bezaleel com destreza, habilidade e plena capacidade artística, sendo que o termo destreza é empregado pela NVI para traduzir o hebraico חָכְמָ֛ה (Ex 31. 3).

Mesmo Salomão, busca a sua sabedoria em Deus (I Rs 3. 5 - 9), e aconselha a que se busque a sabedoria em Deus. Para os sábios, é o Senhor quem dá a sabedoria e de sua boca vem o conhecimento e o entendimento, ele entesoura a sabedoria para os retos, como escudo para quem é honesto (Pv 2. 6, 7 Tradução Ecumênica Brasileira). Mesmo quando o homem alcança a sabedoria por meio dos anos vividos, a fonte maior é o próprio Deus (Jó 12. 9 - 13). Mesmo a sabedoria decorrente da leitura bíblica tem em ?Deus a sua fonte (Sl 119. 98 - 100).

Esta mesma tem um fim puramente prático, uma vez que no contexto da recomendação de oração para se obter sabedoria, Tiago fala das aflições (Tg 1. 2 - 4), das tentações (Tg 1. 13 - 15), da nova natureza (Tg 1. 16 - 18), da observância fiel da palavra (Tg 1. 21 - 25), do uso da língua (Tg 1. 26, 27), e nisto consiste a verdadeira sabedoria.

MARCAS DA VERDADEIRA SABEDORIA

Já foi falado neste estudo que em toda a Bíblia o termo sabedoria é usado de forma ampla. De igual modo foi afirmado que Deus é a fonte de toda a sabedoria. Agora convém afirmar que para Tiago, na mesma proporção em que a fé sem obras é morta, a sabedoria que não molda o modo de vida do crente, é igualmente inútil.

Quem dentre vós é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom trato as suas obras em mansidão de sabedoria (Tg 3. 13 ACF). Perceba que aqui Tiago emprega os termos σοφος και επιστημων (sophos kai epistemon), para expressar o homem sábio, de um lado, e o dotado de conhecimento do outro. Não há nada no texto que sugira o desprezo ao segundo, mas se o conhecimento e mesmo a sabedoria não se expressa em um modo de vida marcado por mansidão ambos são inúteis.

A sabedoria do alto contrapõe-se tanto ao ciúme (ou inveja), quanto ao sentimento faccioso. Mas, se tendes amarga inveja, e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade (Tg 3. 14 ACF). A palavra neste texto ζηλον (zeelon), é empregada no Novo Testamento tanto para expressar ciúme, quanto inveja. Mas neste contexto a mesma é empregada para significar o desejo de promover a sua própria opinião, em exclusão das demais. Neste caso o convencimento não se dá pela linha dos argumentos, mas talvez até da imposição de falsos argumentos.

Uma outra questão é o fato de que tal sabedoria, ao contrário da verdadeira sabedoria, se coloca sempre a serviço de interesses pessoais, aqui traduzido por sentimentos facciosos (εριθειαν [epitheian]). É uma palavra empregada para expressar o vício de líderes que criam partidos para a satisfação do seu próprio orgulho.

A sabedoria do alto é marcada por uma integridade de mente e de caráter, o que faltou aos amigos de Jó, por exemplo, que não disseram de Deus o que convinha. Também se faz ver na disposição em promover a paz. Claro que não falo aqui de paz  a qualquer custo, ou às expensas da verdade, mas na disposição em controlar a língua a fim de não criar a guerra.

A expressão επιεικης (epiekees) aplica-se à moderação nos julgamentos, bem como à paciência que se submete aos maus tratos, sem ódio, ou malícia, mas confiando em Deus acima de todas as coisas. O verdadeiro sábio não nem insubmisso, muito menos sectário. Todavia, é justo, misericordioso, imparcial, e não cede à tentação de em alguns momentos louvar a Deus e em outros maldizer o homem, que é a imagem de Deus. A verdadeira sabedoria, está á serviço da justiça, que redunda em paz.

Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros. 

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