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terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Dois pesos e duas medidas


Aprendi a desde cedo reconhecer o valor da imprensa no tocante á veiculação de informações. E cedo ainda aprendi como é importante que se filtre as informações recebidas por meio das nossas mídias, sejam analógicas, ou digitais. E desde então na mesma proporção com que vou com sede em busca das novas noticias, as examino criteriosamente. Dois fatos curiosos desta semana me chamaram a atenção. De um lado a morte de uma policial militar de 22 anos, lotada na UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Parque Proletário, no Complexo da Penha, zona norte do Rio. O nome dela? Alda Castilho foi ferida na região lombar, pelas costas. Socorrida para o HEGV (Hospital Estadual Getúlio Vargas), não resistiu e morreu no centro cirúrgico (aqui e aqui). De outro a humilhação de um adolescente suspeito de praticar furtos na zona sul foi espancado, ferido com faca e amarrado nu a um poste na avenida Rui Barbosa, no Flamengo (aqui).

Ao leitor, quero desde já esclarecer que nem de longe pretendo comparar uma mulher negra, trabalhadora, com um menor suspeito de crimes, ou infrações, como queira. A discussão que quero provocar aqui é de outro caráter. É a respeito da hipocrisia social, e de como a mesma se reflete no modo com o qual a mídia lida com determinados fatos. Nas exibições de ambas as manchetes percebemos que no tocante ao ocorrido com o menor, a imprensa mostrou a indignação pública, ao passo que com a policial, apenas manifestações por parte de representantes do poder público, e mesmo assim, a ênfase recaiu sobre a afronta ao Estado. Este foi afrontado? Sim! Mas uma mãe teve de viver com o horror de sepultar uma filha. Jovens colegas viram os sonhos de uma colega serem interrompidos pela violência. E isto foi uma afronta à humanidade! E por que não houve a uma única exibição de manifestação pública? Respondo nas linhas abaixo.

Em primeiro lugar os direitos humanos são voltados para pessoas que podem ter o seus direitos violados com facilidade, e policiais, pasmem, estão fora desta conceituação, na verdade são vistos como potenciais violadores dos direitos humanos. Em suma, nossos direitos humanos são profundamente contaminados pelo que Pondé chama de praga Politicamente Correto. Antes que você me venha com aquele papo de estatísticas de transgressões e delitos em que policiais foram envolvidos, gostaria que você aplicasse aos mesmos o mesmo critério que aplica a casos como o do menor, algo do tipo: ninguém merece este tipo de tratamento. Quem sabe assim você não conclua junto comigo que nada justifica a morte violenta de um policial militar?

Em segundo lugar, o critério adotado pelos defensores dos direitos humanos deveria mudar. Nenhum bandido armado é frágil. E se o marginal é um produto do sistema, coisa que em parte creio sim que o seja, mas lembrando, eu disse: em parte; o policial também o é, afinal, não houvessem injustiças não haveria violência, e com isto nem a figura do marginal, que por sua vez torna necessária a do tão odiado, ou ignorado, ou rejeitado policial.

Por último, creio que a sociedade aprendeu a naturalizar a morte de policiais militares, mesmo que sejam mulheres, que estas sejam negras, que tenham deixado saudades nos pais (tomados pelo horror da morte de quem deveria lhes enterrar). Creio ainda que por detrás da naturalização de atos hediondos como este esteja um processo de desumanização da figura do policial, que não são mais vistos como pessoas, mas como engrenagens em uma maquina, a da segurança pública. Em outras palavras são servíveis apenas na medida em que funcionam, se morrem, e deixam de funcionar, são substituídos. Mas quem é amigo, pai, mãe os enxerga além da funcionalidade, e nestes fica o vazio. Creio que uma sociedade constituída de seres humanos, e com tendências à solidariedade (na visão dos especialistas, é claro), deveríamos estar sentindo a dor dos genitores, e talvez nos colocando no lugar deles. Pode parecer mórbido, o povo da alegria, do samba, do futebol cultivar tais sentimentos, mas é uma prática muito mais humanitária do que a naturalização.

A respeito da imprensa, começo a vislumbrar um sinal de esperança no ar. Há alguns meses atrás O globo (quem diria?) publicou uma reportagem assinada por Maria Cecilia de Souza Minayo que trazia como título a seguinte frase: Policiais não são maquinas de segurança (aqui). A autora ali destaca o que todo profissional da área sabe por experiência própria: carga horaria excessiva, ansiedade, stress, precárias condições de trabalho. E não são poucos os que somadas as condições citadas, ainda recorrem aos estudos como forma de melhoria social, o que aumenta ainda mais a carga sobre este trabalhador. O problema é que estudos como este são uma agulha no palheiro em meio a tantas produções antiquadas, do tipo que coloca a culpa de tudo na policia.

Os algozes da policial são tão covardes quanto os que amarraram e expuseram o menor ao vexame. Na verdade tenho razoes pessoais para crer que neste último caso houve mais consideração para com a vida humana do que no primeiro. Que ambos sejam devidamente punidos. Que do mal seja queimada a semente, que não tenhamos mais de ver algo tão cruel como a interrupção da vida de uma jovem cheia de expectativas. Que lutemos por este ideal, e que fatos como este não sejam vistos como naturais pode nenhum de nós. Que grupos manifestantes dos direitos humanos aprendam a se manifestarem contra tamanha crueldade.
Marcelo Medeiros

3 comentários:

  1. Os direitos humanos são, sem dúvida, fruto do amadurecimento da sociedade humana. A tentativa de demonstrar que o homem deve ser respeitado pela sua condição humana e não pela sua condição social ou econômica. Embora sua origem moderna remonte ao século XVIII, no contexto da Revolução francesa, e o direito humanitário ao XIX, com a criação da Cruz vermelha, foram as atrocidades perpetuadas ao longo das duas grandes guerras do século XX que sistematizaram o Sistema internacional de Direitos humanos. Além do sistema da ONU firmado a partir da declaração universal dos direito humanos e dos dois pactos assinados em 1967, existem pactos regionais como o sistema interamericano de direitos humanos do qual o Brasil é estado parte. Durante muito tempo o Brasil evitou vincular-se a esses sistemas e foi por vezes acusado de negligência com relação as garantias a esses direitos. Com a redemocratização o pais, tentando melhorar sua imagem internacional submeteu-se aos pactos de DH e aos tribunais dedicados aos temas. A constituição federal de 1988 dedica boa parte aos direitos humanos tentando apagar o seu passado de violações. Atualmente tratados internacionais de direitos humanos que sejam aprovados de forma idêntica ás emendas gozam do status de norma constitucional. Caso o Brasil seja denunciado internacionalmente por violações do DH sua situação não é confortável e isso pode afetar sua projeção internacional nos mais variados níveis. A situação é tão sensível que um processo relativo a direitos humanos em um dos Estados da federação pode suscitar uma transferência de estância para a justiça federal. O assunto é muito mais sério do que uma dicotomia entre polícia e ladrão. Em direitos humanos o réu é o Estado que não garante os direitos e somente ele pode ser processado e condenado. Qualquer cidadão que se sinta ultrajado pode entrar com um processo conta o Estado. Esgotados os recursos internos (administrativo e judiciário), não satisfeito, a vítima pode recorrer internacionalmente. A lei "maria da Penha" é resultado de um processo similar. Qualquer ser humano, seja funcionário público (PM, BM, professor etc.) estrangeiro, bebê, idoso etc. goza de direitos humanos, a questão talvez esteja no capital político que a defesa pública de um grupo A ou B possa proporcionar.

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    1. Arão, excelentes colocações as tuas, e muito obrigado. Agora, conforme demonstrado no texto do presente post, a despeito dos direitos constitucionais, supostamente garantidos pela constituição, e extensivos aos policiais militares, e bombeiros, convém ressaltar que na opinião pública tal não é visto desta maneira. Outra questão, a cidadania se manifesta no posicionamento dos cidadãos esclarecidos, na aquisição dos novos direitos, bem como na posição dos mesmos contra quaisquer injustiças, e é justamente a ausência de manifestações de tais atos que reclamo nos post. Resumindo: é como se na prática policiais e bombeiros não tivessem tais direitos (humanos), uma vez que seque são vistos como tais.

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    2. Meu amigo,
      Concordo em gênero número e grau

      Sem mais a somar à sua postagem. Perfeita!

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