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sábado, 28 de dezembro de 2013

Estado Intermediário, um nó da Escatologia



Tenho profundas dificuldades com a Escatologia. Palavra que é a transliteração de εσχατον (eschaton), ou εσχατη (eschatee), com o termo λογος (logos [palavra, tratado, estudo]). Dentro da teologia sistemática ela vem por último, e isto por uma razão lógica, ela é a conclusão necessária de todos os demais estudos dentro do Sistema, seja ele liberal, neo ortodoxo, ou ortodoxo. Quando a teologia dogmática, no lugar de ser uma ferramenta que viabilize o acesso do crente à Bíblia, se torna uma ferramenta de defesa do grupo religioso, temos comprometimento de toda teologia bíblica, bem como da própria interpretação que o crente fará da mesma.
Uma questão pontual é a Antropologia que se perde em discussões a respeito de dicotomia e tricotomia, quando na verdade o homem é um ser constituído de espírito, alma e corpo, sendo de uma natureza indivisível (note que somente a palavra de Deus e a morte separam, respectivamente, o espírito da alma, e a alma do corpo). Isto deveria encerrar a questão, mas não, e sabe por quê? Admitir o erro é uma nobreza, logo, não é comum a todos, embora devesse ser aos teólogos.
No campo da Escatologia esta Antropologia se reflete em questões em torno do estado intermediário. Afinal, o que acontece com os santos quando estes morrer, dormem (como boa parte dos textos bíblicos dá a entender), ou vão imediatamente à presença de Deus, como um raro texto aqui, ou ali, na verdade dois, dá a entender.
Esta questão foi trazida à tona por meio de um artigo na internet onde um expoente de uma denominação histórica reafirma o ponto desta mesma e contesta a teologia do sono da alma (aqui). Mais do isto, ele associa tal pensamento aos grupos sectários tais como: Adventistas e Testemunhas de Jeová. Ao meu ver tal associação por si só já é uma falácia, visto que a associação do ramo teológico com estes grupos já traz descrédito a qualquer teólogo que queira defender tal ponto de vista. Com tal atitude nobre se defende o dogmatismo denominacional, e engessa o pensamento teológico.
Para alguns a alma dorme durante o momento da morte. Este pensamento errôneo, diga-se de passagem possui, aparentemente, é claro, amplo apoio nas Escrituras, visto que boa parte dos textos que falam da morte retrata a mesma como um sono. Daniel descreve os mortos como aqueles que dormem no pó da terra (Dn 12. 2), ao receber a notícia da morte da filha de Jairo, Jesus disse que a mesma não estava morta, mas que dormia (Mt 9. 24), do mesmo modo, ao receber a notícia da morte de Lázaro (Jo 11. 11 - 14). Paulo também se vale do termo para descrever os mortos no Senhor (I Co 15. 6, 18, 20, 51; I Ts 4. 13 - 17). Sem o mínimo de esforço podemos encontrar na maioria dos escritos do Novo Testamento afirmações deste tipo. Logo, cabe a pergunta: onde está o erro?
O erro está em que quando a Bíblia usa o verbo grego κοιμαω (koimao), três verdades estão em questão, a do estado de inconsciência dos mortos (amplamente afirmado na Bíblia), a realidade do descanso dos mesmos (Ap 14. 13), e o fato de que a ressurreição para Deus é como o despertar de um sono. Todavia quando a Bíblia afirma a suposta inconsciência dos mortos, o faz em oposição aos negócios desta vida (Ec 9. 1 - 6), ou seja, os mortos não possuem nenhuma ingerência quanto aos assuntos deste mundo, o que não quer dizer que estejam os mesmos privados de experiências espirituais.
Outra questão a ser considerada é que a perspectiva da imortalidade da alma (vital para o pensamento opositor ao acima exposta), é tardia no pensamento judaico. Textos como o Jó e Eclesiastes (Jó 14; Ec 3. 19 - 21; 9. 1 - 6; na verdade trazem perspectivas contrárias ás desenvolvidas tardiamente pelos profetas e pelos apocalipsistas (leia-se escritores apocalípticos). Isto posto consideremos a ideia de que o crente vai imediatamente para o céu após a morte.
Ela se baseia em um único texto no qual Jesus promete ao ladrão que estaria naquele mesmo momento com ele no paraíso (Lc 24. 43).  
Os justos, ao morrerem, vão logo para o céu. Há pessoas que procuram contestar o ensino claro das Escrituras sobre o estado desincorporado dos mortos. Baseiam-se elas em textos bíblicos que nada lhes oferecem para escorar sua doutrina do "sono da alma", que é, especialmente, esposada pelos sabatistas. Em Lucas 23.43, se lê: "Respondeu-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso". Para que sirva aos seus planos doutrinários, eles colocam dois pontos após a palavra hoje e, assim, fica o texto: "Respondeu-lhe Jesus: Em verdade te digo hoje: estarás comigo no paraíso". Deste modo, o texto fica totalmente modificado. Segundo essa leitura, um dia o crente irá para a bem-aventurança eterna. Mas não se sabe quando (aqui).
Se você já leu o que escrevi acima, não precisará se esforçar muito para entender o quão desonesta é esta ideia, visto que mesmo enganados os sabatistas, ao menos fazem suas afirmações com base em maiores evidencias do que os que defendem a bem aventurança imediata do justo. Mas vamos a analisar a suposta base deste último grupo. Para tal pegaremos o diálogo entre cristo e o ladrão na íntegra.
Então ele disse: Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino.
Jesus lhe respondeu: Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no paraíso
(Lc 24. 42, 43 NVI).
Eu gostaria de chamar a atenção do nobre leitor do presente post para o  fato inconteste que o ladrão não pede a Jesus para entrar no paraíso, e menos ainda para ir para o céu, mas para entrar no Reino de Cristo. O termo empregado aqui é βασιλεια σου (basileia sou [teu reino]). Não sei se o ladrão conhecia a pregação de Cristo, o contexto indica que além da pregação o ladrão sabia da inocência de Cristo e do senso do seu pecado. A despeito de tudo isto precisamos admitir a hipótese a palavra do ladrão foi uma confissão de fé no mais improvável dos momentos, visto que o proclamador do Reino estava sendo crucificado.
Uma segunda consideração a ser feita é de que a promessa de Cristo foi uma resposta ao pedido do ladrão. Logo, παραδεισω (paradeisoo) embora sendo expressão equivalente ao Éden da teologia judaica, e ao mundo dos mortos da cultura helênica (que foi incorporada ao judaísmo palestino com o nome de αδης [ades] podendo equivaler ao seio de Abraão [Lc 16. 19 - 31]). Mas no contexto em que ocorre o diálogo entre Cristo e o ladrão é empregado como sinônimo do Reino.
A Bíblia não é a Ilíada e muito menos a Odisseia. Ela não é uma obra mitológica. Mas a estrutura de pensamento grego é bem presente nos que defendem que após a morte o crente vai para o céu. Longe de mim afirmar que o crente não vai para um estado de bem-aventurança. Na verdade ele vive neste estado aqui na terra, ao menos é o que Cristo disse no sermão da Montanha (Mt 5. 3 - 12). A primeira bem-aventurança se destina aos que são cônscios de sua miséria espiritual (não seria este o caso do ladrão da cruz?), no texto chamados de pobres de espírito, e a promessa feita aos mesmos é o Reino de Deus.
É estritamente neste contexto que entendo o texto de Lc 23. 42, 43 em que Cristo diz que o ladrão estaria, e creio que esteve, com ele em seu Reino, sendo que para reino, ele emprega o termo equivalente ao Éden, ou ao paraíso. O entendimento deste lugar aqui deve se dar á luz da pregação de Cristo a respeito do reino de Deus. Assim, compreendemos que não se trata de um lugar geográfico, nem o pode ser, mas existencial, pessoal, no qual a comunhão do homem com Deus (aquela que ele tinha no jardim), é restaurada. Este sim, é o ensino presente no judaísmo anterior. Pode ser visto nos
Salmos, que mais tarde vieram a ser interpretados como provas da imortalidade da alma.
Por isso o meu coração se alegra e no íntimo exulto; mesmo o meu corpo repousará tranquilo, porque tu não me abandonarás no sepulcro, nem permitirás que o teu santo sofra decomposição. Tu me farás conhecer a vereda da vida, a alegria plena da tua presença, eterno prazer à tua direita (Sl 16. 9 - 11 NVI). 
O ponto chave aqui não é um paraíso post morten, mas a alegria da presença divina, e o salmista crê que nem a morte pode interromper a comunhão que ele tem com Deus. Este sim é o verdadeiro Éden. Esta verdade foi cantada por Oseas de Paula na canção Meu Éden de Amor (aqui).
Certa vez enquanto discutia com um renomado pastor batista, fui indagado a respeito do que acontece com o crente imediatamente após a morte. Respondi que o crente descansava, ao passo que o nobre colega disse que ele vê Deus imediatamente após morte. A opinião do mesmo venceu naquele ambiente familiar, mas o caso de Estevão me colocou uma pulga atrás da orelha. A Bíblia diz que enquanto Estevão era apedrejado, ele viu Jesus à direita do Pai, e após externar sua visão, ele orou por seus inimigos e adormeceu. O texto nos indica que uma Escatologia saudável mantém lado à lado ambos os elementos.
 
Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros.
 

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