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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O que fizemos do legado da Reforma Portestante?

 
Estamos no mês de Outubro e uma das datas comemorativas mais importantes para a cristandade é a Reforma Protestante. Por cristandade aqui não me refiro apenas aos crentes de tradição reformada, De forma alguma! Ao meu entender o movimento politico, social, religioso, em que a Reforma Protestante se constitui afetou decisivamente a cristandade como um todo. Os países que aderiram ao movimento construíram uma ética que possibilitou a criação de um novo modo de produção, o capitalismo. Tanto os países que não aderiram o mesmo, quanto o catolicismo, se remodelaram a fim de poderem concorrer com a nova expressão da fé cristã.
Do lado protestante, a educação pública e universal foi vista como estratégia de consolidação, visto que uma vez alfabetizados os povos poderiam ler a Bíblia, e interpretar a mesma de forma autônoma e crítica. A reação do catolicismo foi, dentre outras, a criação do grupo de maior expressão intelectual, a companhia de Jesus, atualmente conhecidos como jesuítas. Eles instituíram no Brasil um modelo educacional, voltado para alfabetização e a catequese da fé de expressão católica.
A interpretação autônoma das Escrituras, a associação entre estas e a consciência crítica, são o principal legado da Reforma Protestante. Mas, próximos que estamos dos quinhentos anos de Reforma protestante, precisamos perguntar: temos honrado este legado? Da minha perspectiva não. E isto pretendo demonstrar nas linhas abaixo.
Desde criança aprendi a me familiarizar com discussões. Frases como "da discussão nasce a luz", fazem parte da ampla grama de provérbios que aprendi a ouvir, apreciar e idealizar desde criança. Sim, sempre fui excessivamente inquieto, provocador e questionador, e me constitui assim em momento histórico peculiar. Nasci na década de setenta e iniciei a minha educação fundamental na década de oitenta do século passado. O momento histórico era o de transição da ditadura para a democracia. Cresci e me afirmei enquanto sujeito crítico em um ambiente antidemocrático. Filhos não podiam questionar pais e alunos não podiam questionar professores, mas ainda assim aprendi a ser sujeito questionador, a despeito da conjuntura adversa.
Hoje, momento em que, tecnicamente, deveríamos estar vivendo o auge da democracia, me deparo com o pior tipo de ditadura, a do silenciamento, ou da estigmatização  popular. Questões viscerais não podem ser tocadas. Não podemos criticar, e nem mesmo questionar doutrinas dogmaticamente impostas, tradições institucionais, sem fundamento algum na Bíblia Sagrada, e se em nossa análise tocamos em pessoas, despertamos a ira dos santos e piedosos de plantão.
Quando vejo homens de Deus usando e abusando de recursos midiáticos para "evangelizar", líderes afirmando que em nome de Jesus vele até gol de mão, imagino Lutero e Calvino se revirando em seus respectivos túmulos. e isto para não falar de Hüss e Wicliffe, que deram suas vidas para que a Bíblia fosse traduzida em língua vernácula. Como reagiriam diante da apatia de nossa geração para com a mesma? Como eles veriam líderes se colocando como inquestionáveis, ao ponto de um pastor vir às redes de televisão e dizer que mesmo quando um pastor rouba, este não deve ser questionado?
Pior ainda, a Bíblia que foi a base para o julgamento, discussão, e questionamento dos reformadores, que foi o principio norteador para a quebra de paradigmas, hoje é usada para silenciar os que pretendem discutir. Jargões do tipo: Não removas limites antigos, Não vos meteis em questões loucas, por que falar o que não edifica? são sacados de seus respectivos contextos para estigmatizar os crentes de pensamento crítico e silenciar discussões.
A história nos ensina que houve Reforma Protestante justamente porque um monge agostiniano, por nome Martinho Lutero ousou remover limites antigos. Sim, a venda de indulgências e afins era prática antiga do catolicismo quando o nosso ícone da Reforma resolveu pregar as noventa e cinco teses na porta da catedral de Wittenberg. Chamado para se retratar este ousou questionar as autoridades papais, e mais, dispôs-se a retratação, desde alguém o convencesse por meio da consciência e das Escrituras. Tal atitude deixou um importantíssimo legado: a consciência, ao lado das Escrituras são o parâmetro para a formulação de ideias e ideais cristãos legítimos.
E a questão louca da segurança da salvação? Embora a tese da predestinação fosse conhecida em ambiente acadêmico em razão da vitória de Agostinho sobre Pelágio, fato é que nosso mundo sempre foi mais inclinado a acreditar que nossa salvação depende cem por cento de nossos esforços humanos. Aí, novamente vem os reformadores e colocam o dedo na ferida. Se o fizessem hoje ouviriam de muitos Não vos meteis em questões loucas. Ainda que a doutrina em questão tenha de ser lida, relida, e novamente entendida, o fato de não ter de me angustiar com cada espirro que dou, se deve às lutas e reflexões destes homens. Creio que minha salvação é firme e segura em Deus e em Cristo que me amaram antes que eu viesse à existência e que me levarão à salvo para o seu Reino, pensamento que não poderia ter nem expressar em um ambiente no qual para o crente ir para o céu tem de dar uma passada pelo purgatório.
Às vezes temos destruir algo que foi construído de forma errada, para ai sim edificar sobre sólidos e corretos fundamentos. O legado negativo da Reforma foi este: as guerras religiosas aceleraram o processo de secularização da Europa (fato este observável principalmente na França), mas que podemos usar para extrair lições importantes. A principal é esta: a verdade tem de ser falada (mesmo que esta seja indigesta), mas tem de ser dita em amor. Mas de forma alguma o amor, que não se alegra com a injustiça, mas folga com a verdade, pode ser confundido com o silêncio, ou a omissão dos crentes atuais diante das flagrantes distorções do Evangelho.
Não dá mais para ver líderes fazendo o que querem com o Evangelho e se calar em nome de uma pretensa ética, ou de uma suposta edificação. Não dá mais para ver parlamentares evangélicos entrando em nossas igrejas, pedindo votos e demonstrando uma conduta pública que além de contraditória com o Evangelho, é um desserviço à fé em Cristo. Não dá para ver evangelistas defendendo pastores que não demonstram a mínima transparência administrativa. Líderes que disputam qual igreja faz mais milagres, qual possui o maior templo, quem é o maior evangelista do século XX, etc... . A frase eclesia reformata, semper reformata est, é indicador, que em razão de a Igreja ser constituída por homens pecadores, estar sempre sujeita à distorções de sua natureza e propósito. Daí a necessidade de constante revisão teológica e prática. Me despeço rogando a Deus para que o momento presente nos sirva de reflexão e de reavaliação das atitudes a fim de que possamos honrar o legado da Reforma Protestante.
 
Em Cristo, Pr Marcelo Medeiros

2 comentários:

  1. Cool, ótimo texto, pastor o senhor crer na doutrina calvinista (ou agostiniana) de predestinação? Paz!

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  2. Menina dos olhos de Deus, saiba que para mim, foi um imenso prazer te conhecer e acessar os textos do teu blog, que creia, colocarei na lista dos meus. A respeito da doutrina calvinista (ou agostiniana) de predestinação, tudo o que posso dizer é que creio ser o oque mais se aproxima sim da doutrina bíblica e mais, farei uma postagem inicial sobre a temática. Fica na paz.

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